Festival Exxxotic (Lisboa)

Quando comecei a trabalhar na Hotgold como director de conteúdos em 2009, acompanhei o lançamento dos primeiros Salões Eróticos e o seu desaparecimento depois de alguns anos, com o último a realizar-se no Porto em 2022. Estes salões, que eram sobretudo expositores de marcas, lojas, espaços noturnos e produtoras de conteúdos adultos, tiveram diversos impactos na sociedade portuguesa que, até essa altura, não tinha visto nada semelhante.

Inspirados pelos festivais eróticos de Barcelona e Berlim, os primeiros Salões Eróticos focavam-se sobretudo na mostra de produtos e de shows ao vivo, mas marcaram também a apresentação das primeiras “pornstars” portuguesas, ao lado de outras estrelas internacionais, algo que despertou muita curiosidade no público e nos media nacionais. Para isso, contribuiu também a dimensão dos eventos, que começaram por ser realizados na FIL de Lisboa, com grande investimento em infraestruturas (palcos, salas, experiências tecnológicas), muitos artistas participantes, várias propostas de experimentação (como salas de swing, contacto direto com os artistas e até gravação de filmes no evento), com constantes atrações ao longo de todo o dia.

Essa organização ambiciosa trouxe aos primeiros salões muito público e também muitos meios de comunicação, que se deleitaram com todo o ambiente e puderam entrar em contacto próximo com muitos dos profissionais que, até então, só tinham existido no seu imaginário mais íntimo dos portugueses. Para além disso, o surgimento das primeiras estrelas nacionais como Erica Fontes e Ana Monte-Real, deram ainda mais visibilidade e promoção aos eventos.

Mas tudo isso se foi perdendo ao longo do tempo, tendo passado a organização destes eventos a ser apenas da responsabilidade de produtores estrangeiras e com uma oferta cada vez mais marcada pela indústria pornográfica. Ainda assim, nos últimos anos tentou-se ainda incluir alguma oferta de workshops, debates e palestras, mas num contexto de “tudo ao molho”, num ambiente caótico, com música constante, por vezes até várias músicas em simultâneo, e onde o foco era claramente o sexo ao vivo e a venda massiva de produtos, com o entusiasmo do público português a esmorecer e os salões desapareceram.

No entanto, depois de vários anos sem nenhum evento do género, este ano o Festival Exxxotic tentou trazer de volta a Lisboa o conceito de salão erótico, mas desta vez com uma oferta um pouco mais ampla e diversificada.

Num espaço até bastante propício para um evento destes, o Pavilhão Carlos Lopes, no Parque Eduardo VII, o Exxxotic trouxe, para além de performers da indústria porno espanhola (dada a organização ser espanhola* e, diga.-se de passagem, sem grandes opções nesta altura, já que não existe produção adulta em Portugal), trouxe também alguns artistas portugueses, profissionais e amadores, o que contribuiu para um estranho desfasamento na qualidade da oferta, apesar do esforço apreciável.

No entanto, a principal e (quanto a mim) maior qualidade do evento, foi a inclusão de outras dimensões do espectro da sexualidade, como espaços dedicados ao Tantra e ao BDSM, workshops e palestras, mas afastados do salão principal, com possibilidade de ter vários ambientes e contextos. Ainda que com alguma falta de cuidado na organização do espaço geral (o palácio é muito frio e tem áreas muito amplas), notou-se a preocupação para que as pessoas pudessem estar isoladas do barulho dos espectáculos nas suas experiências em grupo e nas conversas/palestras/workshops (excepto, incompreensivelmente, uma tenda de massagens tântricas mesmo no centro do salão principal).

Ainda assim, e tendo apenas visitado o evento no domingo, último dia, onde o público era muito pouco, percebeu-se que a principal falha deveu-se sobretudo à total falta de investimento na caracterização dos palcos, na oferta de comida e bebida, na dinâmica do espaço demasiado vazio e com espectáculos que nem sempre eram atrativos, com grande ênfase no pole dance e no BDSM, Para além disso, a oferta de lojas e produtos também era escassa (apesar de interessante), com apenas duas marcas e três ou quatro artistas presentes. Notou-se ainda a presença de muitos agentes da PSP no espaço, alguns deles visivelmente constrangidos, o que também contribuiu para uma vibe meio estranha de constante policiamento e “cuidado com o que fazes”, mas ainda vi uma agente a participar num sorteio de produtos eróticos (o que, só por si, foi bastante erótico).

Isto tudo, com um público português que, nesta altura, já tem termos de comparação com os salões eróticos do passado, e que hoje, já não tão curioso e inexperiente, exige um pouco mais deste tipo de iniciativas.

Em suma, esta foi, quanto a mim, uma boa primeira experiência de tentar fazer renascer este tipo de eventos em Portugal e acredito que tenha despertado o interesse de futuros parceiros (e não apenas sites de acompanhantes) e de profissionais das mais variadas áreas, no sentido de contribuirem para uma próxima edição ainda mais focada em promover a verdadeira amplitude da cultura erótica.

Avaliação: 🔥🔥🔥 (3/5)

*Errata: A organização deste evento é efetivamente portuguesa. Segundo a NiT “O evento foi criado por Sílvia Gil, de 47 anos, natural do Porto. A artista soma duas décadas enquanto artista de BDSM, um conjunto de práticas sexuais consensuais que combinam o poder, o controle e prazer. Além disso, fundou a loja Bdsm4Utopia, em Alfena (Porto), em 2011 e o alojamento temático KinkyRedRoom, em 2016, na mesma localidade.”

5 Respostas

  1. Concordo com as suas críticas. Penso que conseguiu comentar muito bem todos os pontos essenciais relativos a este evento, sem querer enfatizar aquilo que considerou de negativo.

    Mas permita-me ser eu a fazê-lo, ou seja, de me expressar de uma forma mais desagradada, mas com a convicção de que o público afeto a este género de eventos merece ter conhecimento.

    A meu ver, muito poucos aspetos positivos, talvez apenas com a exceção dos espaços dedicados, à margem do salão principal.

    Já passei por inúmeros eventos do género, Suíça, Itália, França, Alemanha, Bélgica, Espanha e claro o “nosso” Eros Porto e também há uns largos anos em Lisboa, no parque das nações e em Oeiras.

    Posso afirmar categoricamente, considerando o espaço principal, “objeto major” do evento, que este foi o maior embuste que alguma vez presenciei!
    Espaço bastante amplo e propício para este tipo de evento, mas completamente desaproveitado! Sem qualquer “stand” relacionado com o mundo do sexo e erotismo, e tanto haveria a contemplar…!
    Para além dos pequenos palcos, apenas uma tenda tantra nada convidativa!

    Quanto às atuações, se assim as posso apelidar, tornam-se difícil de adjectivar!
    Os intervenientes pareciam perdidos, sem saberem o que fazer, sem qualquer sequência, atos aleatórios de improviso, sem qualquer tentativa de roçar a sensualidade ou erotismo! Para eles o “cru” era suficiente, até porque também não sabiam mais, orientados por uma porta-voz que aparentava ela própria desorientada, música que por vezes parava a meio reforçando a total falta de profissionalismo!
    E mais haveria dizer, mas a ideia não é aprofundar demasiado o tipo de atos expostos…

    Se a ideia era estimular os sentidos, a líbido ou o desejo sexual, foi explicitamente uma autêntica fraude! Tenho pena dos casais que por lá vi, pois muitas vezes vi-os a desviar o olhar para o frio espaço envolvente enquanto decorriam os “shows”, aparentemente numa tentativa educada de não se deixarem “enojar” e lhe estragarem o desejo de acabarem o dia envolvidos numa prazerosa noite de sexo!

    Não, esta organização não me “engana” segunda vez! Foi muito mau para se ponderar repetir, 40€ foi um preço demasiado elevado para se pagar tamanha mediocridade! Seriam sem sombra de dúvida muito melhor investidos em 2 horas no aconchego de um quarto de motel.

    Resumindo, uma desilusão, uma frustração, mas também uma pena, pois fazem falta este tipo de eventos no nosso país, mas infelizmente ainda não é desta!

    Obrigado.

    • Compreendo e até concordo com alguns dos pontos. A minha perspectiva baseou-se numa análise não só enquanto público mas também enquanto organizador, por isso referi a experiência na organização de eventos anteriores. Sei a dificuldade que é montar um evento destes, sobretudo em Portugal, onde é difícil criar parcerias, obter artistas e ter uma base consistente de critério na organização do evento e do espaço, sem uma experiência já prévia. Foi com base nisso que avaliei não só o produto final mas acima de tudo a coragem e ambição da iniciativa.

      • Entendo e concordo uma vez mais com a sua análise, que, pelo conhecimento que tem, consegue ser muito mais abrangente que a minha sem dúvida!
        Tendo em conta a vertente organizacional, não coloco minimamente em causa as dificuldades e limitações inerentes.
        É preciso (re)começar por algum lado, e nesse aspeto não posso deixar de enaltecer o mérito, mas ficou claro que o caminho percorrido ficou ainda muito distante de uma meta desejável. Quero acreditar contudo que o ponto de partida foi dado!

    • Sim, entretanto confirmei, obrigado.Tinha ficado com a ideia de ser uma produção espanhola devido à quantidade de artistas e produtoras espanholas presentes. Já está incluída no texto essa correção. Obrigado.

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  1. Entendo e concordo uma vez mais com a sua análise, que, pelo conhecimento que tem, consegue ser muito mais abrangente…

  2. Compreendo e até concordo com alguns dos pontos. A minha perspectiva baseou-se numa análise não só enquanto público mas também…