Para quê fazer um remake da Emmanuelle em 2024? Que Emmanuelle é esta? De que adianta esta história?… A realizadora Audrey Diwan respondeu com uma visão deprimente de uma ideia/personagem que exigia muito mais admiração pelo seu legado e por aquilo que simboliza.
Uma reinvenção atualizada da personagem Emmanuelle, com referências óbvias ao primeiro filme (obrigatória, dada a celebração dos 50 anos da sua estreia), mas sem a surpresa, a curiosidade e a abnegação que sempre fizeram desta mulher alguém que se intimidava mas ao mesmo tempo se abria ao desejo, ao prazer e à vida.
Aqui, esta Emmanuelle que aqui ainda se mantém relativamente nova (com a maravilhosa Noémie Merlant, mas num casting que não encaixa, sobretudo pela sua natural falta de expressividade, que resulta tão em bem em “Retrato de uma rapariga em chamas“, e que perdeu desde “Curiosa“), vem com um peso emocional demasiado denso, que condiciona todos os momentos eróticos, como que os forçasse, o que não abre a intriga para o lado positivo da liberdade sexual, algo que distinguia os filmes e a personagem original, e faz com que toda a história seja condicionada por amargura, depressão, desconfiança e desconforto, com momentos onde o sexo é avulso, sem intensidade, razão, causa ou consequência.
Se a ideia era confrontar a libertina Emmanuelle com o peso da feminilidade e da liberdade sexual nos dias de hoje, uma resposta muito mais interessante às perguntas do início deste texto talvez tivesse sido mostrar uma Emmanuelle em 2024 mesmo mais velha que a de 1974, talvez com esses 50 anos sobre si, com um passado assumido, talvez já sem ilusões, mas com o brilho no olhar de quem já experimentou muito e viu o lado mau mas também o lado bom dessas experiências. Isso sim teria dado continuidade ao legado da personagem que abriu mentes e despertou fantasias nos anos 70 e que, agora noutro mundo, noutro contexto, onde sexo e amor são voláteis e descartáveis, veja o ideal libertino a ser subvertido, mas por razões opostas à do século passado: não por constrangimentos, mas por excesso.
No entanto, nesta versão decepcionante, o esforço para manter Emmanuelle num estado apático e fechado sobre a sua própria desilusão é demasiado notório (até a sua profissão é chata) para reforçar um tipo de arquétipo feminino atual e onde, para cúmulo, ela se deixa encantar pelo cliché do homem “misterioso” que não dá troco e faz cair na mesma tentação de qualquer adolescente que nada entende, apenas sonha.
Emmanuelle não é nem pode ser uma mulher qualquer. Ela representa uma ideia que rompe com as convenções e atrai o interesse e o prazer inesperados, mesmo quando não os compreende. Questiona o mundo e as convenções, não com cinismo, mas com curiosidade. Desperta o desejo nos outros, não só apenas por ela mas por si mesmos. É a personificação das fantasias, dos fetiches e dos desejos mais íntimos de todos os que rodeiam, incluindo nós (o público que.a segue e observa), porque através dela experienciamos coisas que pouco provavelmente iremos experimentar na nossa vida e, através dela, colocamos também as nossas próprias dúvidas e enfrentamos os nossos próprios medos.
Por tudo isto, a Emmanuelle original e é/foi/será tão marcante. Esta não.
Avaliação: 🔥🔥 (2/5)
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